sexta-feira, 14 de junho de 2013

SEM TÍTULO

Às vezes tenho vontade de parar. Mas parar o quê? Só se for o coração. Mas nem isso dá. Por enquanto sou alguma coisa que se move pelo universo. Escrevo. Meus textos são irregulares. Alguma coisa se aproveita. A maioria não presta. Minha ex-mulher dizia que as pessoas só lêem quando têm algum interesse em mim. Depois nunca mais. Algumas mulheres se masturbam lendo meus poemas. Ou pelo menos dizem que fazem isso. Até que são úteis então. Bebo quase todos os dias. Estou sozinho. Fui ator, ex-ator, economista. Agora escritor. Mas nenhum editor me quer. Nunca publiquei uma linha. Antes as mulheres pareciam querer sempre casar comigo. E ter filhos. Agora, com os cabelos grisalhos, elas querem mais sexo do que compromisso. Ou não. Nem sexo nem compromisso. E quando quero amor elas querem amizade. E quando quero sexo elas não querem nada. E se querem amor, querem de um jeito que eu não consigo entender, quase uma dominação. Na última vez me pediram amor incondicional. Ainda não compreendi essa expressão. De vez em quando encontro mulheres libertárias. Uma vez uma mulher veio com uma história de que, se um dia eu quisesse, a gente podia colocar mais uma mulher na relação. Fiquei quieto. Um dia sugeri isso e levei um cinzeiro de estanho na testa. Não foi a primeira que tomei uma cinzeirada na cabeça. Mas os motivos foram diferentes. Estudei muita economia e contabilidade. Mal sei administrar uma conta bancária. Mas os livros de economia não são nada convincentes. Mais números do que bom senso. Na sociedade de consumo atual consegui uma façanha incrível. Cheguei à metade da minha vida (ou próximo disso) sem um bem sequer. Não tenho nada. Sem patrimônio. Nem cartão de crédito. Fora do mercado de consumo. Três filhos. Sou louco por cada um deles. Mas eles não fazem a menor idéia disso. Todas as minhas ex-mulheres me odeiam. Preferiam me ver preso, morto ou exilado. Desisti de ser ateu. Mas ainda não acredito em Deus. Queria ter um cachorro. Mas não vou conseguir cuidar. Ultimamente mal cuido de mim. Quando não estou casado sou descuidado. Sem uma mulher por perto durmo até com a roupa do corpo. Acho que estou precisando casar de novo. Bebo mais do que deveria. Então pra compensar como cada vez menos. E faço exercícios por pura vaidade. Sou obcecado por manter a forma. Detesto qualquer treino. Só que não suporto ver meu corpo decair. Então faço o sacrifício. Por outro lado meus cabelos estão quase brancos. Já tenho muitas linhas de expressão. Estou envelhecendo. Leio sem parar. Raramente leio um livro até o fim. Escrevo pouco. Durmo pouco. Nunca fico doente. Vejo uma mulher bonita na rua. E me apaixono, por uns minutos. Ou pela vida inteira. Tenho fama de sedutor. Colecionador de mulheres. Ou pior, consumidor de mulheres. Compulsivo. Talvez. Mas tenho a sensação de sempre sair perdendo. No fundo sou um romântico do século XIX, que teria morrido de amor antes de chegar aos 30. Adoro casar, ter filhos e construir família. Mas nunca fui capaz de manter um relacionamento por muito tempo. Tenho poucos amigos. Acho que nunca amei ninguém. E ninguém me amou. Então, estamos todos quites.

2 comentários:

  1. Muito bom, franco e tocante esse texto. já é a terceira vez que o releio.

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  2. Coincidência encontrar o João De Athayde, que conheço do site Duplo Expresso, aqui nos comentários.

    Vim para aqui porque cito muitos seus textos no meu blog (https://chicoary.wordpress.com/?s=Ulysses+Ferraz). Gosto muito do estilo deles. E como alguns links ficaram quebrados estou tentando encontrar seus textos em outros sites. Se puder me ajudar.

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