terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Cidades visíveis

Carnes
Descartáveis
Cérebros
Inviáveis
Ossos
Dissolventes
Nervos
Impotentes
Resíduos
Inválidos
Destroços
Rasgados
Refugos
Refugiados
Restos
Humanos
Urbanos

Mapa dilatado, 2010: por Luciana Felippe

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Desaceleração

Sem tempo, o tempo dispara
Apressado, o tempo separa
Depois traz de volta, repara
E de tão lento, o tempo para
Ao mesmo tempo, desampara
Mas com o tempo, o tempo sara...

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Terços do dia

Primeiro terço
Dia nasce
Ruido
Correria
Dia morre
Todo dia
Chega tarde
Alivia
Silencia
Amores
Possíveis
Passam

Segundo terço
No quarto

Livros
Roupas
Folhas
Amassadas
Restos
Poeira
Poetas
Filósofos
Matemáticos
Letras
Números
A noite para
Amores
Impossíveis
Escapam

Terceiro terço
Noite vai
Lenta
Insônia
Do mundo
Devaneio
Sem fim
Arde a dor
Nos olhos
Sem dor
Sem nada
Madrugada
Em tudo
Criado mudo
Desordenado
Sonâmbulo
No instante
Nasce o dia
Mais um dia
Amores
Invisíveis
Desaparecem

Primeiro terço
O sol
Aquece
Os ossos
Enternece
Os corpos
Que se vão
Inacabados
Mais um terço

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Redemoinho

Amor é desespero que dá desejo
Desejo é destempero que dá alento
Paixão é desalento que dá tormento
Ciúme é tormento que faz errante
Proximidade é erro que faz ausente
Ausência é desterro que faz silêncio

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Existir

Breve intervalo
Num estalo
Dois pontos
No tempo
Um vento

Duração frágil
Indeterminação

Espera
Quimera
Execução finita
Aflita

Dias
Atrasados
Cansados

Anos
Velozes
Algozes

Décadas
Instantâneas
Coletâneas

Lugares
Cotidianos
Humanos

Envelhecimento
Quase lento
Desatento

Vai e voa

Nesse vácuo
Inesperado
De tão esperado
Desespera
Despreparado
Destempera

Nesse lugar
Desconhecido
De tão inimaginado
Assusta
Relutante
Refuta

Nesse instante
Incompreensível
De tão breve
Desaba
Desarmado
Acaba

Começa
O sono
Sem fim

Resta só
O silêncio
Enfim

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Síntese

Um só
Por si
Sem ter
Nem ser
Só estar
Em si
Um sol
Só lá
Em mim
Sem ser
De alguém
A não ser
De ninguém

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Auto-retrato

Lógico
Preciso
Conciso
Matemático
Esquemático
Cético
Econômico
Monossilábico
Sequencial
Social
Estruturado
Equilibrado
Civilizado
Desapaixonado
Apolíneo
Retilíneo

Sou tudo isso
Sou tanto isso
E nada disso
O contrário disso

Contraditório
Insatisfatório
Desajustado
Introvertido
Quase selvagem

sábado, 15 de agosto de 2009

Assimetria

O outro
Afasta
Sem mãos
Não toca
Adia a urgência
Pede o sono
Invoca o amor
Protela

O sono
Alivia
Mas não sacia
Engana
Com imagem profana
Em sonho impreciso
Pede o outro
Invoca o desejo
Espera

domingo, 12 de abril de 2009

Encenador

Em cena aberta
o ator
encena a dor
física
não teme o desejo
arrisca
um ato de risco
êxtase final
marginal
brutal
a faca fere fundo
enquanto o corpo
luta
o sangue escorre
no chão gelado
escuta
em silêncio
dirige a morte
canta o trágico
de mãos atadas
tantas facadas,
no último suspiro
não espera e
bonito que era
expia o bode
expira...
e inspira,
nunca morre.

Crescimento


Luxo
Prazer
Liberdade
Conforto
Riqueza
Beleza
Abundância
Arrogância
Juros
Lucros
Brutos
Swaps
Spreads
Stocks
Acumulação
Bestificação
Concentração
Consumação
Destruição
Extinção
Fim

sexta-feira, 10 de abril de 2009

ordem e progresso


a ordem inibiu
o progresso não
ordenou então
a desordem viu
a ordem desamparada
progressivamente se dissipar...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

excesso


menos é mais
e o mais
sem o menos atrás
é quase pecado
não é de bom-tom

mas o excesso
com a sua inteireza
tem lá sua beleza

há tantas coisas
que quanto mais
nunca é demais

Encontro

O frio aqueceu
A solidão abraçou
A tristeza esqueceu
O tempo descansou

Relatividade

De repente
Um encontro
Vida a dois

Percepções alteradas

Na ausência
A hora demora
Na presença
O dia dispara

Na distância
Imenso deserto
Na proximidade
Encaixe perfeito

Tempo e espaço se confundem
Na ação, libido e paixão
Bocas e corpos se misturam

Desejo

Prazer acelerado
Alegria desmedida
Saudade insana

Imprevisível
O coração bate forte
O rosto enrubesce
Vive

Amor sem dor

De repente
Um desencontro
Uma vida a sós

Desassossego

Percepções adulteradas
Dor cadenciada
Tristeza metódica
Saudade cotidiana

Previsível
O coração quase para
O rosto empalidece
Sobrevive

Dor sem amor

As horas são sempre lentas
A distância sempre tão longe

domingo, 5 de abril de 2009

Separações

Desmontar a casa
Perdida em objetos
Transportar saudade
E levar um pouco
Do  que poderia ter sido
Mas não foi
Desviar o olhar
Recordar
Coisas banais
Olhar de ontem
Reviver
Uns segundos
Esperanças
Partidas
Então na partida
Calar
Não parar
Fazer
Lembrar de tudo
Tão instantâneo
Esquecer de agora
Continuar amanhã
Chegar
Em algum lugar
Seguir
Não se sabe pra onde
Sentir
Uma ponta de alívio
Um resto de dor
E no fim
Essa vontade de ir
Sem nada
Esse desejo de ficar
Sozinho
Por mais uma vez

Incompreensível

O ombro estremece
O ventre amortece
O peito estarrece

A boca umedece
A perna amolece
A pele floresce

O pescoço enaltece
O dorso endurece
O tronco desfalece

A mão aquece
A carne intumesce
A cabeça esquece

O corpo inteiro cresce
O inexplicável
Acontece

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Maternidade

Acorda, levanta, alimenta, ensina, leva, traz, orienta, arruma, penteia, bronqueia, organiza, sofre, endurece, enlouquece, agrada, amolece, cobre, protege, esquece, aborrece, aquece, chora, enfurece, enternece, explica, repete, acolhe, perdoa, defende, grita, irrita, sorri, abriga, prepara, transforma, acompanha, espera, alegra, estimula, engrandece, ajuda, cuida, apoia, encoraja, reclama, chama e ama ama ama...

sábado, 28 de março de 2009

Cotidiano

Entornei o caldo, queimei o pão, passei do ponto
Mordi a língua, espremi limão, adocei com sal
Derrubei a sopa, tomei um choque, caiu o botão
Perdi o bonde, larguei a chave, quebrei o prato
Manchei a roupa, errei o nome, esqueci o texto
Saí do tom, troquei o passo, chutei de canela
Pisei na poça, queimei o beiço, cai da cama
Prendi o dedo, recebi em moeda, furei o bolso
Fiquei sem troco, esfreguei o olho, rasguei a calça
Bati os dentes, parei na esquina, acabou a gasolina
Chouveu granizo, cortei o pé, andei descalço
Faltou a luz, subi de escada, entrei no chuveiro
Secou a água, caiu a toalha, molhei o chão
Virou o vento, peguei sarampo, vivi de escambo
Cheguei aqui, escrevi fiado, falei truncado
E não contei nem a metade da missa...

terça-feira, 24 de março de 2009

Desocupação

Determinação oficial
De justiça

Legalidade estrita
De direito
Positivo
Impositivo

Execução civil
Civilizada
Codificada
Justificada

Ação de desabrigar
Pessoas, alimentos, camas, estantes, mesas
Roupas, móveis, livros, brinquedos, fotos
O lanche separado, a lição de casa, o aquário...

Coisas ensacadas
Malas apressadas
Memórias arrancadas
Lembranças cortadas

Resta o espaço vazio
Esvaziado à força
Só sobra a poeira
Dos restos de ontem

Incerteza
Medo
Desproteção
Abandono
Despejo

segunda-feira, 23 de março de 2009

Vazio

Nas ruas, carros, luzes,
pedestres, afoitos.
Nas lojas, filas, produtos,
consumidores, aflitos.
Nas casas, móveis, paredes,
casais, alheios.
Nos bares, bebidas, anônimos,
cardápios, atônitos.
Em mim, pernas, braços,
pensamentos tardios,
espaços vazios.
Em todo lugar, solidão.

sexta-feira, 20 de março de 2009

literatura

livros são mais
comprados que lidos
mais citados que vividos

quinta-feira, 19 de março de 2009

Sutil

Em meio aos ruídos do mundo
Uma voz destoa e sobressalta
Com sons delicados
Torna-se única
Música

Conforto

O hábito
Torna habitável
Qualquer espaço
Torna suportável
Qualquer cansaço
Torna palatável
Qualquer pedaço
De qualquer coisa
Habitual...

Presença

Em som suave
Sua voz chegou
Rompeu o passado
Reavivou o presente
Inventou o futuro
Acolheu o agora
Tornou leve o escuro
Desvendou o amor
E trouxe a vida de vez

terça-feira, 17 de março de 2009

final

de resto
só o silêncio
ufa!
ainda bem...
além de
umas viúvas
amém

segunda-feira, 16 de março de 2009

Insônia

As horas se estreitam
Quando as luzes se apagam
Nas semanas cansadas de outono
Com os restos de vento
Do fim da tarde

Os sons se misturam
As noites se arrastam

Pelos cantos dos quartos
O sono mal chega e se vai
E os lençóis se acalmam
Enquanto os corpos paralisam
De medo da manhã
Que tarda a chegar
Até que num piscar de olhos
Tudo escurece
Amanhece

Rendição

A boca seca
A mão esfria
O olho turva
A perna treme
A voz embarga
O coração dispara
Por quê?
Você!

Incomparável

Nada é tão marcante como seus olhos
A não ser suas mãos, quando se abrem
Ou suas pernas, quando se dobram

Seus pés, descalços
Seus cabelos, intactos
Sua pele, delicada
Só comparáveis a sua boca, vermelha
E suas curvas em movimento, agora
Tão desconcertante como você, inteira
Em todas as horas...

Separação

Primeiro o desejo
Depois a paixão
O amor
A dor
O rancor
A indiferença
O vazio
E por fim
O fim

...

Minha musa
Teu rosto
Meu desejo
Teu gosto
Minha casa
Teu corpo
Meu destino
Teu porto

domingo, 15 de março de 2009

Destinação

Inseparados
Dia a dia
Entrelaçados
Membro e membro
Colados
Boca na boca
Atados
Beijo a beijo
Obstinados
Desejo e desejo
Justapostos
Alma na alma
Unificados
Corpo ao corpo
Destinados
Vida a vida

O cômputo da dor

O computador
Não computa
A dor

Páginas substituem ruas
Meninas quase nuas

Exposição virtual
Sofrimento real

Desesperanças
Crianças
Envelhecidas pelo uso
Abandonadas por abuso

Infância roubada sem retorno
Sem brinquedo nem adorno

Imagens, cores, rostos, expostos
Solidão, crime, castigo, corpos
Dispostos em arquivos mortos
De almas prematuras
Que se calam

Na dor não computada
Das vidas amputadas

Compasso

Esperar nascer, andar, falar, crescer
Esperar a mãe voltar do trabalho
O pai voltar da viagem
A irmã casar, a outra engravidar
A sobrinha nascer, o sobrinho vingar
O ano novo chegar, a aula acabar
O aniversário, as férias, o natal, a rabanada
Esperar o primeiro amor
Os amores intermediários
Os amores imaginários
Os amores que nunca chegam
Esperar...
A vez
A identidade
A profissão
O trabalho
O salário
O elevador
A casa
Esperar a noiva no altar
O padre abençoar
O divórcio sair
O juiz assinar
A ressaca passar
Esperar...
O filho crescer
A filha não crescer
O passado passar
O presente chegar
O futuro não acabar

Cruzamento

Vidas cruzadas
Entrelaçadas
Ao acaso
Na procura
Solitária
De unidade
Um desejo
Um instante
Mesmo antes
Por todo depois
Desde sempre
Encontro de dois
Dois corpos
Inseparáveis
Na cadência
Dessa rotina
Imprevisível
Repetitiva
Desconcertante
Circular
De paixão
Sedução
Devoção
Vocação
Para unir
Criar
Ser e estar
Viver e conviver
Lado a lado
A expressão absoluta
Do surpreendente amor

Noite

Corpos
Vudus
Tabus
Medos
Misturas
Figuras
Mémórias
Escórias
Gravuras
Espelhos
Vermelhos

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