domingo, 5 de dezembro de 2010

...

Muito prazer
meu nome é
solitário
libertário
com defeito
contrafeito
estrangeiro
prisioneiro
inviável
imprestável,
sempre inacabado.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Temporal

Ando na chuva, Rua do Glicério, centro velho. Chove forte.
Poças de água, carros engarrafados, motos, bicicletas, pedestres.
Homens espalhados pelo chão. Vento e água esfriam meu corpo.
A caminhada me faz transpirar. Mistura térmica desconfortável.
Acabo de descobrir um furo na minha bota. Meus pés começam a molhar.
A chuva aperta, o vento acelera. Meus passos diminuem.
Sons silenciam. Só escuto pensamentos. Burburinhos internos.
Não consigo parar de pensar. Imagens, sons, tudo na minha cabeça.
Minhas meias estão encharcadas. Piso num buraco. Desvio dos obstáculos.
Parados como fotos de jornal. Uma multidão sem rosto.
Todos iguais a mim. Tão diferentes de mim. Todos somos rostos.
Em que estarão pensando todos esses rostos? Não importa.
Roupas molhadas. Botas pesadas. Frio e calor. Chuva e suor.
O burburinho aumenta. Quatro horas da tarde. Esqueci de almoçar.
Não tenho fome. Um pouco de sede. Boca seca. Cabelo molhado.
Um rosto aparece. Na minha cabeça. Vejo seu sorriso em flashes.
Homens sem dentes sorriem também. Nas ruas. Mulheres seminuas acenam.
Estou no meio das prostitutas. Dez reais o programa. Subo a ladeira.
Rua 25 de março. Dia 16 de novembro. Camelôs se enfileiram. Não há espaço.
Vendedores de guarda-chuva. Dez reais também. Fico molhado. Não quero gastar.
Preciso economizar. Endividado. Contas atrasadas. Continuo a caminhar
Um mulher que deve ter sido bonita na juventude olha pra mim, olho pra ela.
Torço o pescoço, imagino sua juventude, paro. Mais chuva...
Meus olhos ardem, chuva ácida, minha pele queima no vento da chuva.
Sinto que estou me consumindo. Vou me dissipar. E seu morresse agora?
Estou sendo sugado pelos meus pensamentos. Minha desorganização triunfa.
Nem sei mais onde estou. Procuro um táxi. Congestionamento. Carros parados.
Não vale a pena. Continuo andando. O frio agora toma conta.
A caminhada é mais lenta. Queria ser outra pessoa por um instante.
Mas tudo que eu tenho sou eu. Sou apenas o que sou agora.
Toda minha vida se resume nisso. Se eu morresse nesse instante seria só isso.
Um homem, botas molhadas, roupas encharcadas, bolsa pesada.
Posso continuar caminhando sem parar, que vai dar exatamente na mesma.
Não há ninguém a minha espera. Nenhuma casa, nenhuma pessoa.
Nenhum animal de estimação. Meus filhos não estão mais comigo.
Não tenho mais ninguém. Nenhum lugar pra chegar. Nada a declarar.
Tenho só o meu corpo molhado no tempo e no espaço dessa tarde de chuva.
Estraguei meu paletó. Tudo que sou é essa tarde do dia 16 de novembro de 2010.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Sem estações

Não me lembro dos últimos novembros
Quantos sóis delicados, céus azulados?
Quantas nuvens aflitas, chuvas amargas?
Sinto falta dos próximos setembros...
Ah, se eu pudesse apagar todos os dezembros!

sábado, 13 de novembro de 2010

Acaso

Do compartilhamento
Ao estranhamento
Do acolhimento
À indiferença
Tudo se vai
Fica vazio
E agora?
Novos amores
Velhas esperanças
Outra vida
Outra pessoa
Um mal entendido
Dois desconhecidos
O que nos tornamos afinal?

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Remendo

Quando nada dá certo
descompasso o verso
desconcerto o passo
desconverso a coisa
descoiso a forma
invento palavra
invario ponto
inverto sinal
virgulo sujeito
separo predicado
desenho uma letra
arranjo, enfim, um final
e tudo fica assim, errado.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Sinais

Minhas roupas estão velhas
Meus sapatos gastos
Os botões caem
Mangas puídas
Penduradas
Meus filhos crescem
Minhas costas doem
Os olhos turvam
Ombros doídos
Estremecidos
Meus cabelos estão brancos
Minhas mãos pesadas
Os joelhos estalam
Ossos partidos
Cicatrizados
Meus recursos estão no fim
Minhas posses escassas
As pessoas passam
Perdas vividas
Consumidas
Até os livros amarelados
No entanto
Meu corpo insiste
Reconheço os contornos
Dos tempos de ontem
Meu sorriso ilude
Minha pele engana
Meus músculos sustentam
Um brilho no olhar
Minha forma resiste
Espantosamente
Mas meu conteúdo está cansado
Envelheceu

Natureza

Meu amor nunca foi calma
Corpo que domina alma
Vivo na tormenta
Desejo que acorrenta
Nunca tive paz
Minha paixão é mais
Do que selvagem
Não há separação
Entre amor e paixão
Tudo é prazer e dor
Sou quase indomável

...

Não sei romper a forma
Nem inovar a linguagem
E meu conteúdo é trivial
Por que continuo escrevendo?

...

as palavras
trazem conforto
ilusão de ordem
trazem beleza
mas não definem
o que é indefinível

...

Às vezes não sinto nada
E não sentindo nada
Sinto o que é sentir nada
Uma ausência de existir
Pior do que morrer...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Dor

Psicológico ou patológico
Verdade ou mentira
Fato ou ilusão
Tanto faz
O que importa é
Aquilo que o corpo sente
E o corpo que dói não se engana

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Multiplicidade

Cercado de tempo,
limitado no espaço
não posso ser um,
quero ser mais que
dois, talvez nenhum.

...

Olhar escorre
em sangue
uma gota
de dor,
congela.

Tensão


Flutuante
O sol
Esquenta
O sal
Mistura
Na Pele
Molhada
Com brisa
De leve
A marola
Esconde
Uma concha
Escorrega
Na areia
E vira
Sereia
Que rouba
Um beijo
De vento
Soprado
No mar

 

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Fotografia

Calor no fim da tarde
Depois de praia
Areia colada
Uma caminhada
Pouca sombra
Rua deserta
Tudo mais perto
Lábio tão seco
Boca salgada
Chego até lá
Quarto vazio
Copo com água
Olho teu corpo
Não ouso tocar
Escuto tua pele
Desisto de mim
Não faço nada
Estanco na forma
Um enquadramento
Você vai embora
Sem despedida
Nada te impede
Nem mesmo eu
Fico ali, paralisado
Submerso naquele dia
Em que guardei o teu olhar
Para sempre. Até hoje. Por quê?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ressaca

Vento fraco, praia calada
Areia lenta, nuvem dispersa
Espuma revolta, bate na pedra
O sol parado vela em silêncio
Um corpo azul, sem sapatos
Terno branco, meias pretas

terça-feira, 2 de novembro de 2010

...

entre sonos rápidos
vigílias profundas
alguma lucidez
e o resto
loucura

...

Nada a fazer, vou à livraria, pretexto.
Quero ver Manoela, vendedora bonita.
Resisto à rima, bonita, em vez de bela.
Mas ela é bela. Vai ter que rimar.
Terça-feira. É folga dela. Bela Manoela.
Não perco viagem, saio com Manoel
de Barros. Nas mãos. Um livro. E mais
esse poema. Detesto a palavra poema.

“O desenho do céu me indetermina”.
(Manoel de Barros)

Rarefeito

A distância não cansa, tão longe, avança, não se pode tocar, nem prazer, nem dor, só uma neblina, lenta, neutra, quieta, eficiente, que espalha indiferença, na busca do tempo, dissipa o corpo, em sanidades, mundo objetivo, impessoal, sem perguntas, não há respostas, permaneço inquieto, calado, espero.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

...

tempo calado
acumulado
pelo silêncio
das palavras

sábado, 30 de outubro de 2010

os dias

dia adormecia noite
noite amanhecia dia
sexta-feira dormia sábado
sábado acordava domingo
domingo virava sexta-feira
segunda-feira nunca existia
todo dia era dia, noite e dia

Voo

Tento durar, acabo.
Tento acabar, esqueço.
Tento esquecer, acordo.
Talvez acordar, já passou.
Não posso ficar, vou.

Pedra rosada

Rios escorridos nos primeiros janeiros
Brasas fugazes dos últimos dezembros
Lembranças corridas, em tanto invento
Abrem-se nas memórias dos longos abris
E se perdem em tempos de novos novembros
Misturando água, fogo e desejo, um só elemento

917 lembranças

Na hora daquele quarto
o tempo só existia ali
naquele quarto
e o mundo
também.

Nenhum lugar

Dia que não existe
lugar de chegar,
corpo ou universo,
tudo é exílio.

saudade

sempre lembro do dia em que fomos
tudo aquilo que todos buscam
o tempo todo, a vida inteira

diurno noturno

não sonho mais quando durmo
e quando acordo sonho mais
mas não acordo mais
quando sonho...

sonho

chego quase perto
perto quase toco
e quando mais
estou perto
desperto

impossível

aconteceu
naquele dia
por todas as horas
e nos dias seguintes
por todos aqueles dias

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Lavador de pratos

Lavo pratos na cozinha de um restaurante chinês. Sem nenhuma eficiência. Devagar e distraído. Sempre prestes a ser demitido. Mas por alguma razão, nunca sou. Volto todos os dias. Ninguém fala nada. Ninguém me olha. Então volto de novo. Preciso do emprego. Então continuo. No vai-e-vem das pilhas de pratos, sinto fome. Vontade de pegar restos de comida que sobram nos pratos. Quase tenho coragem. Mas não dá tempo. Garçons e afins se atropelam na porta. Todo mundo reclama da minha lentidão. Sou desorganizado com as louças. Deixo as pilhas ficarem cada vez maiores. Mas finjo não compreender nada. Continuo. Enquanto a água limpa escorre quente, resseca a pele. Os dedos enrugam. Estou no calor das panelas fervendo. Tudo demora. O suor pinga da testa. Arde o olho. Queria ouvir uma música talvez. Mas só há o barulho da pressa dos talheres que batem nos copos. Sinfonia articulada dos segundos, que passam inteiros. De um em um. Segundo um ritmo pesado e lento. A hora de embora não chega. Até de madrugada, quando misteriosamente tudo acaba. Cozinha pronta para o dia seguinte. Então vou. No caminho até a estação do metrô, o vento escuro de janeiro em Canal Street dá saudade de uma casa qualquer.

Nova Iorque, 1988

Na pensão da dona Flor
Os beliches se revezavam
De dia, os trabalhadores da noite
De noite, os trabalhadores do dia
Imigrantes errantes
Nos lençóis mal trocados
De todos os submundos
Em sonos claros e escuros
Sonhavam fazer uma América
Há muito tempo perdida...

domingo, 24 de outubro de 2010

lágrima

gota de sal
cai pura
queima
lava e
cura

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Desistência

De repente,
dia não chega
tarde se vai
noite não vem
madrugada sem
nada, não sou mais
ninguém além de
um só, que passou
aquém, de ser alguém.

Despedida

Na hora das partidas
As palavras morrem
No olhar que se cala
E só vejo meus olhos
Pelo olhar dos outros
Olhos que se partem
Nas horas partidas

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

prisioneiro

Meu corpo é
minha prisão.
Perpétua.

esquecimento

chove devagar
quase venta
véu escasso
água lenta
que se cala
no cimento

domingo, 17 de outubro de 2010

Noventa graus

Mundo redondo
formas quadradas
retas, retangulares
portas, portões, janelas
quadras, quartos, sobrados
tapetes, lençóis, televisores
livros, grades, porta-retratos
celulares, telas, monitores
prédios, gavetas, vagões
ruas, travessas, esquinas,
palavras, fonemas, poemas
molduras...

Madrugada




O vento cortante
A cidade vazia
Poucas luzes
Rua deserta
Noite tão fria
Escrevo no escuro
Caminho no tempo
Não tenho nada
Nem sede
Nem fome
Nem sono
São poucos de mim
Talvez nenhum
Seus olhos me olham
Mas deixo passar
Até nunca mais
Preciso viver
O próximo instante
E se só houvesse palavras?

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Uma passagem


A passadeira passa
O ferro esquenta
A pele arde
A lã estica
O ombro tomba

A passadeira passa
A roupa alisa
O corpo amassa
A vida corre
O tempo para

A passadeira passa
A tristeza fica
O humor se vai
A ação repete
O amor não tem

A roupa é branca
A pele escura
A tábua dura
A esperança cura

A passadeira passa
A pilha abaixa
O calor sobe
A alma esfria
O rádio alivia

A passadeira passa
O tecido amacia
O coração exaspera
O dia silencia

A passadeira passa
As horas ralentam
Os anos acabam
A vida sobrevive

A passadeira passou
Hoje o dia calou
Ninguém notou
O passado a levou
Uma outra chegou

No mesmo compasso
Outra passadeira
Passa passo a passo
Mais um dia

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Amores perdidos

De repente.
Tudo se esvai.
A presença se vai.
A ausência silente.
Tão presente, pressente.
Não há mais procura. Nem cura.
A desistência prevalece. Amortece.
A paixão adoece. Entristece. Embrutece.
Não há mais forças. Nem prazer. Nem dor.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Amores proibidos

Plataformas, trens, passos, espaços apertados
Vagões, pessoas, andares, olhares trocados
Mãos, pernas, esperas, ombros, braços tocados
Carros, calçadas, escadas, distância, de um passo
Saguão, sangue, elevador, dor, demora, de um quarto
Cama, calma, pressa, depressa, desejo, descompasso
Sombras, copos, beijos, enlaces, encaixes perfeitos
Desespero que arde, na tarde, revela, tarde tão bela
Tarde que passa, tarde tão tarde, e a noite não tarda
Tudo se esvai, sinais apressados, cotidianos insanos
Multidões, buzinas, celulares, ruídos aflitos, mundanos
Cores reais em preto e branco levam os amores
Errantes ao eterno desterro de serem amantes

Amores finitos

Equilibrar-se na crua incerteza
Escolher todo dia no escuro
Colher a beleza do agora
Durar só o tempo que resta
Restar pelo instante que vai
Esvair-se na dura certeza
De ser abatido pelo infinito
Fugaz, despedaçar no ar
Despetalar sombras aflitas
Deixar o vento varrer
Perecer para não morrer

Jardineiro



Por você
Meu amor é
Tronco forte
Sol ardente
Grão paciente
Sombra protetora
Espinho ciumento
Caule generoso
Tempo infinito
Vento afoito
Atrás de você

Por você
Meu amor é
Firme igual raiz
Fértil como terra
Leve igual uma folha
Livre como uma pétala
Detalhado igual a flor
Simples como a cor
Dedicado e delicado
Igual a você

domingo, 10 de outubro de 2010

Exposto

Vivo em carne viva
Vivo à flor da pele
Vivo a carne em vida
Vivo a pele em flor
Vivo a vida na carne
Vivo a flor na pele
Vivo a vida em vida
Vivo em viva dor
Vivo vivo o amor
Sou carne, pele e flor

sábado, 9 de outubro de 2010

O outro

A pior dor não é a própria dor. Essa já é conhecida. Seus limites, sua extensão. Aprendi a suportar. Controlar. O que mais dói é a dor do outro. Essa dor desconhecida. Não se sabe como é. Como o outro sente, escuta, vê. O que se passa no lugar do outro? Jamais saberei como é. Quais as cores, os sabores, os paladares, os sons, os odores, traduzidos em tantas dores. Nunca vou saber. Mas se a dor do outro dói o tanto que dói em mim, essa dor é quase insuportável.

...

tempos disparam, param
ventos voam, ecoam
tempos separam, reparam
ventos levam, elevam
tempos ventam, passam
ventos passam, sós

1974


O futebol era de botão
A bicicleta, do pivete
O Brasil era tricampeão
A tentação, um chiclete
O cristo era redentor
O surfe, no arpoador

A professora era Vilma
A rua, Nascimento Silva
O sol era de Ipanema
Tinha que ler Iracema
Longe era Copacabana
Minha tia, Sebastiana
Meu vizinho era general
O herói, um policial
O tom era de Jobim
O porteiro, Joaquim

O cinema já não era novo
Minha nascença um estorvo
O teatro ficou sem Oficina
Candelária preparava chacina

A luz era Luis
Martinez de raiz

A ditadura era dura
Tristeza não tinha cura
Ainda havia lobotomia
Muita criança com anemia

Minha mãe parecia feliz
O amigo dela, um juiz
Meu pai parecia afluente
Sua outra mulher, indiferente
Minhas irmãs eram bonitas
Adolescentes aflitas

Guerrilheiro citava Guevara
O estado era Guanabara
A cidade, maravilhosa
Queria ser Guimarães Rosa
O país era o do futuro
Meu medo, o escuro

Reminiscências

Sou memórias, histórias, estornos, entornos, contornos
Sou cores, amores, restos, desertos, pedaços, espaços
Sou indícios, resquícios, desperdícios, vestígios
Sou lacunas, fissuras, espumas, brumas, escuras
Sou apenas palavras dispersas...

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Tempo

Parece que foi sempre
Parece que foi ontem
Parece que foi sonho
Parece que foi noite
Parece que foi hoje
Parece que foi dia
Parece que foi já
Parece que já foi

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Amores líquidos

Dissolver o corpo nos corpos, expostos
escorrer pelas entranhas, estranhas
pulsar por todas as veias, alheias
misturar secreções secretas, inquietas
juntar salivas diversas, dispersas
trocar suores esquecidos, desconhecidos
derreter sem reter, tudo que é sólido
e só desmanchar no ar...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Amores primeiros

Éramos tão jovens
Você era o mar
Eu era vagar
Você era o vento
Eu sempre atento
Você era o sol
Eu era um anzol
Você era a janela
Eu era uma espera
Você era a cor
Eu era um calor
Você era respiro
Eu era um suspiro
Você era sua boca
Eu era um sorriso
Você comia maçã
Eu fazia poema
Na bela Ipanema
Você era tão linda
E eu era só olhos...

Passagens

A vida é um ir embora
E nem sempre voltar
A vida é um partir
E nem sempre chegar
A vida é um esperar
E nem sempre receber
A vida é um procurar
E nem sempre encontrar
A vida é uma demora
Que sempre tem hora
De um instante acabar

domingo, 3 de outubro de 2010

Amores distantes

Olhar e não poder tocar
Sentir e não poder agir
Amar e não poder amar
Estar tão perto, à distância
Perceber a distância, tão longe
Esquecer de morrer, pra nunca esquecer

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Deserto

Fui com tanta sede, até te exaurir.
E da tua exaustão, se fez minha aridez.
Exausto, sem uma gota, me esgoto.
Incerto, eu deserto. E te liberto.

Silêncio

Se eu pudesse
Simplificar
Aproximar
Modificar
Adivinhar
Proteger
Aliviar
Cuidar
Fazer
Dar
Saber
Apagar
Acertar
Aprender
Responder
Demonstrar
Mas não posso
Em silêncio silencio
Nesse cortante deserto

Ação

Tempos de ação. Tempos de criação. Reflexão, estudo e reclusão. Reclusão na vida, em regime mais do que aberto. Tempos de disciplina. Transgressora. Tempos de liberdade. Incondicional.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Círculo

Quando ama, deseja
Quando deseja, afasta
Quando afasta, aproxima
Quando aproxima, corrompe
Quando corrompe, trai
Quando trai, destrói                   
Quando destrói, sofre
Quando sofre, exaure
Quando exaure, esgota
Quando esgota, acaba
Quando acaba, recomeça
O amor é uma selvageria

Des(conexões)

Expelir, descartar, trocar
Vínculos, relações, desejos
Frágeis, voláteis, conflitantes
Prazer, tesão, tensão
Redes errantes
Liberdade forçada
Individualizada
Medos incertos
Rompimentos
Inquietos
Tão longe tão perto
Reviravoltas revoltas
Desengajamento
Dor sem dor, incolor
Múltiplas sedes
Rotas, intactas
Virtualidade
Quantidade
Fragilidade
Atitude, incompletude
Velocidade ou verdade?
Vaidade
Sexo desconexo
Descompromisso
Submisso
Atração repulsão
Em equilíbrio
Desequilíbrio
Fendas
Rachaduras
Fragmentos
Profundos
Superficiais
Artificiais
Acasos em versos
Crônicas banais
Cortes rasos, secos
Vívidos, cíclicos, líquidos
Consumos humanos
Insumos urbanos
Sangue no ar
Morte fugaz
Imensidão

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um rua

Sou uma
Rua
Sem volta
Um caminho
Sem saída
Até sua pele
Nua

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Valor

A vida vale
um amor
O amor vale
uma vida

Ausência

A manhã escurece
A tarde se esquece
A noite é tão longe

Percurso

Nasci na madrugada
Cresci por toda parte
Mudei a cada instante
Troquei de cidades
Identidades
Procurei o amor
Conheci a dor
E o prazer
De esquecer
Fui de tudo quase
Nada de quase tudo
Antes de começar
Insisti em desistir
Desperdicei
Patrimônio
Renda
Pessoas
Não retive nada
Cheguei a lugar nenhum
Deixei o tempo pra trás
Voltei ao início
Não encontrei o fim
Recomecei o futuro
Renasci na madrugada

Agora

O dia, a noite, uma hora
Será cedo, tarde, será quando?
Faz frio, faz chuva, faz sol, faz tempo
Silêncio, barulho, ruído, estou mudo
É claro, cinza, dourado, escuro
Está longe, perto, é nunca, será depois?
A hora, de novo, martela, espera
É agora e de lá ou de onde
Sinto a sua respiração, aqui

Beatriz

Você me olhou
A primeira vez
E não tirou os olhos
De mim, sem parar
Quis te segurar
Meu coração disparou
Naquele instante
Tão pequena, tão linda
Nada nunca foi tão meu
Como naquele instante
Nunca mais foi nada igual
Porque você nascia
E desde aquela hora
Era para sempre
A minha Beatriz

sábado, 25 de setembro de 2010

As mulheres

Fui criado por mulheres. As mulheres me deram tudo. Carregaram-me no ventre. Sofreram as dores do parto. Ensinaram-me a andar. Falar, ler e escrever. Fizeram minha comida. Arrumaram minha cama. Pregaram meus botões. Pentearam meu cabelo. Passaram minha roupa. Contaram histórias. Faziam-me dormir. Mostraram-me a beleza. A literatura, a poesia, a música. Deram seus amores. Partilharam suas dores, seus temores, suas camas. Ofereceram seus sorrisos. Acolheram meu corpo. Entregaram seus corpos. Gestaram meus filhos, em seus ventres. Criaram meus filhos, em suas casas. Deram-me seus próprios filhos, mesmo quando não eram meus. Abriram seus espaços. Confiaram suas vidas. Suportaram minhas ausências. Toleraram minha presença. Ficaram sempre ao meu lado. Pediram tão pouco em troca. E eu me dei inteiro. E eu dei quase nada.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sons da primavera

Lua leve
Leva em si
A longe luz
De lá do sol

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Restos de nós

De toda a espera, quimera
De todas as horas, demoras
De todos os tempos, inventos
Em tudo que corre, escorre
Sempre depois, restos de dois
De tudo que resta, só uma sombra
Sobra sem voz, do pouco de nós

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Dias de inverno

De manhã
Faz frio
À tarde
Faz vento
É noite
Faz tempo

domingo, 12 de setembro de 2010

tarde

à procura
da noite escura
não há mais cura
tardo a chegar
tão devagar
e só, então
anoitecer

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dois corpos

Quase parado
um corpo acolhe
outro corpo na pele
como se fosse seu porto
e esse outro corpo exposto
navega até seu destino
em suave desatino
desconcertado
para, silencia
só respira.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Olhos nus

Teus olhos
Fixos
Olham
Incertos
E se despem
Nos meus
Olhos

Meus olhos
Nus
Olham
Inquietos
E se acalmam
Nos teus
Olhos

Hipnose

Teus olhos
Não são
Verdes
Azuis
Castanhos
Ou negros
São apenas
Teus olhos
Que irradiam
Todas as cores
Silenciam
As vozes
Emudecem
As palavras
Confundem
Os sentidos
E num relance
Apagam
Tudo em volta
Que não são
Teus olhos

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Perdas e danos

Perdas
Sentidas
Nos anos
Partidos
Em danos
Corroídos
De enganos

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ilusionista

Seu corpo eu sei de cor
Aprendi a enganar a ausência
Com o artifício da memória

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Olhar

Teus olhos
Na luz
Da noite leve
Leva a noite
Ao instante breve
Dos meus olhos
Há tantos anos
Apressados
Insanos
E os faz parar
Só pra olhar
Sem pudor
Com tanto amor
O amor
Que se esconde
Na luz
Dos teus olhos

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um amor só

Só tenho o prazer
De voltar ao começo
Mas chego ao meio
Do teu seio
Devaneio...
Entre tuas pernas
Sem estar, em nenhum lugar
Espero, desespero
Nada demais
E permaneço, sem saber ser
Um endereço, uma rua
Sem fim
Nem começo
No teu corpo
Assim...
Desse jeito, rarefeito
Desajeitado, em volta
Da vida, que não esgota
Nem uma gota
E inteira, sem nada em troca
Se alimenta, desse desejo
Tão sem fim
Nem volta...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Tatuagem

No seu toque
Há uma memória
Que nunca se apaga
Já faz parte do meu corpo

Sentidos

Procuro seu gosto
A saliva mistura
A boca se perde
Nos lábios passados
Sempre ao seu lado
Mesmo à distância
Sinto seus poros
Respiro sua pele
Na minha inconstância
Escuto uma voz
Que não me fala
Dos restos de nós
A espera dos dias
Sem nenhum som
Ouço o silêncio
Silencio...

domingo, 4 de julho de 2010

Quando para

O tempo passa, rápido
Você passou, eu fiquei
E os dias não passam

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Poema de amor

Eu
Te
Amo
Eu te
Amo
Eu
Te amo
Eu te amo

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Fim

Menti às vezes
Mas sempre foi
Para me protejer
De mim mesmo
E mais ainda
Acreditar
Em alguma coisa
Que não fosse eu

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Espera

Um mês
Ou ano
Um dia
Depois
Talvez
Os dois
Uma vez
Outra vez

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Desejos

Um dia a mais
A noite não alivia
Exaspera a espera
De um beijo a menos
Que a manhã não sacia

terça-feira, 22 de junho de 2010

Dispersão

Luzes
Noites
Passos
Traços
Corpos
Ruídos
Aflitos
Objetos
Dispersos
Em um...

Um lugar

A pipa não para
Voa, à toa
Dispara...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Sempre

Só me pede tempo
E só, te peço tudo
Mas o tempo inexiste
Não posso te dar...

Só há o agora, eterno
É tudo que tenho, só
Nessa hora de agora
Para te dar...

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Em pedaços

Não é lembrar o que se viveu antes que massacra os ossos.
Nem a tristeza de não ser mais agora que devora a pele.
É a saudade que mais demora de tudo que viria depois.
Naqueles anos todos que seriam delicadamente nossos.
Mas que nunca chegaram a ser por um instante de nós dois.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Sombras

Revelo escombros
E me escondo
Em tantos outros
Que não sou
Só uma beirada
Na noite virada
Não é outono
Perco o sono
À prestação
E sem ação
Nada presta de mim
Da vida emprestada
Que de fim em fim
Chega afinal
A ninguém

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

alívio

afinal não era amor
seria mais terno
infinito e eterno
se fosse amor
talvez

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Consumidos

Funcionários descartáveis
Supérfluos, intercambiáveis
Substituíveis por sistemas
Só continuam empregados
Por salários trocados
Pelas horas trabalhadas
Para adquirir os produtos
Produzidos nas corporações
Que com suas ações louváveis
Empregam milhões de pessoas
Que pagam os preços
Com seus baixos salários
Já embutidos
Na margem
De lucro bruto
Com as horas de serviço
Trocadas por mercadorias
Igualmente supérfluas
Escambo de vida por consumo
Antropofagia estéril
Em negócio atrativo
Socialmente responsável
Conscientemente sustentado
As corporações agradecem
Pelos excedentes
Que crescem e enriquecem
Seus dirigentes e presidentes
Aumentando as externalidades
E há sempre quem compre
Mais e mais produtos
Que logo viram lixo
Quase sempre não reciclado
Mas o planeta impassível
Absorve os dejetos, se adapta
Enquanto a humanidade
Insanamente humana
Consome a si mesma
Pouco a pouco
Até a extinção

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

salto

só me resta saltar
como um suicida
na vida...

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A tua ação

Corpos
Pulsantes
Entregues
Sem trégua
Na travessia
Do caminho
Invisível
De estar pronto
Todo dia
Dia a dia
Solidão revelada
Coletiva, inventiva
Pernas fincadas
Olhares focados
Nas mil faces
De um a um
Por si e só
Unidos
Na loucura
De ser e estar
Na jornada
Sem fim
A hora é aqui
No espaço
De agora
Pulsa a ação
A tua
Ação
De cada um
Em todos nós

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Percepção

Já não me olha mais
Nem me percebe mais
Enquanto se esquiva
Escrevo à deriva

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Diversidade


















Hoje à noite há uma festa
Pode ser São Paulo, Paris ou Nova Iorque
Música, comida, vinhos, objetos, pessoas

No aparelho de som, uma salsa
Na sala de visita, nenhum caribenho

Na mesa de jantar, frango tandoori
Na sala de visita, nenhum indiano

Na escrivaninha, uma escultura nigeriana
Na sala de visita, nenhum africano

Nas paredes, pinturas primitivas
Na sala de visita, nenhum indígena

Na TV de plasma, filme de Kiarostami
Na sala de visita, nenhum iraniano

Nos corpos, grifes fabricadas em Jacarta
Na sala de visita, nenhum indonésio

Na sala de visita todos são cultos,
poliglotas, progressistas, cosmopolitas,
irreverentes, inteligentes, sofisticados,
influentes, afluentes, libertários, originais

Na sala de visita todos são despojadamente iguais

Falta

Longe do perto
A espera de ontem
Na ausência de hoje
Relembrando amanhã
Distante de agora
A procura da hora
Demora...

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